Projeto busca diferentes formas de pensar a bioprospecção e o desenvolvimento de produtos a partir das moléculas estudadas.
Em muitas pesquisas na área de bioprospecção são procurados compostos naturais em diferentes espécies e analisadas suas atividades biológicas. Já na abordagem da biologia de sistemas novas aplicações para as moléculas estudadas são pensadas ao se levar em consideração o papel funcional (fisiológico, farmacológico, imunológico e/ou as funções celulares desempenhadas) das mesmas.
“Nesta abordagem inovadora cada nova molécula descoberta é analisada em conjunto com outras moléculas do mesmo sistema, buscando a compreensão sobre a maneiras pelas quais algumas destas moléculas interagem entre si, de forma a criar um sistema regulatório de elevada complexidade. Essa abordagem mais contemporânea foi colocada em evidência no projeto atual, onde procuramos detectar pequenas moléculas, proteínas e peptídeos, de forma integrada num mesmo sistema biológico”, explica Mário Palma, coordenador do projeto “Biologia de sistemas como estratégia experimental para a descoberta de novos produtos naturais na fauna de artrópodes peçonhentos do Estado de São Paulo”, desenvolvido no Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro.
A compreensão da relação entre a estrutura e a função (ou as diferentes funções) de cada molécula descoberta abre a perspectiva de se entender com muito mais profundidade os papéis de cada componente das células, além de se poder avaliar através dessas observações as respostas dos sistemas biológicos a estímulos de qualquer natureza (como biológicos, químicos ou físicos). Palma ainda completa que “revelar os detalhes da interação do sistema biológico com seu ambiente nos permite buscar com mais facilidade novas aplicações para as moléculas envolvidas”.
Os estudos se concentram nos venenos de diferentes espécies de artrópodes brasileiros combinando tecnologias diferentes para a identificação quantitativa e qualitativa desses compostos naturais. Além disso, os pesquisadores procuram caracterizar a composição química-bioquímica dos fios de seda produzidos por alguns artrópodes. “Esses fios têm uma enorme gama de diferentes aplicações industriais. Apesar de muito estudados em todo mundo, esse sistema nunca foi abordado com a visão de biologia de sistemas”, salienta Palma.
O trabalho com a química de animais tem especificidades já que ela é menos criativa sob o ponto de vista das estruturas químicas, do que as moléculas de plantas e microorganismos, e a grande maioria dessas moléculas ocorre naturalmente em baixíssimas concentrações nas células animais. Apesar dessa simplicidade e da dificuldade de estudo em concentrações tão reduzidas, tais substâncias possuem uma incrível ação no sistema nervoso, na regulação do ciclo celular ou na mediação da dor, por exemplo, o que as torna muito promissoras para o desenvolvimento de inovações químico-farmacêuticas.
É também neste ponto que o projeto busca formas diferenciadas de trabalho: usando estratégias de química combinatorial, os pesquisadores propiciam condições de criar uma grande gama de novas estruturas sintéticas, desenvolvidas à partir das substâncias descobertas. Palma explica que “a ampliação do conhecimento específico de um grande conjunto de moléculas relacionadas entre si abre um enorme leque de opções de estruturas químicas que podem ser combinadas entre si, através de processos de síntese combinatorial”. Isto é, por meio de um processo de obtenção de diversos compostos desenvolvidos a partir de moléculas precurssoras combinadas de diferentes formas. “Isso cria novidades químicas que podem ser reproduzidas em laboratório, até mesmo em larga escala, para atender demandas de estudos aplicados à indústria química, farmacêutica, agroquímica, entre outras”, ressalta Palma.
Isso faz com que as moléculas produzidas possam ser alvo de patenteamento, ao contrário daquelas encontradas nos animais estudados. A legislação brasileira proíbe o patenteamento de moléculas descobertas à partir de exploração da riqueza química de nossos recursos naturais. Tais moléculas naturais não se enquadram no conceito de novidade/inovação passível de patente. Já as novas moléculas possuem novas estruturas, criadas a partir da combinação das estruturas descobertas e, portanto, entrando no conceito de novidade. “Desenvolvemos um grande trabalho criativo sobre moléculas descobertas com a implantação de uma abordagem de “biologia de sistemas” e, então, transferimos parte do conhecimento adquirido sobre as relações estrutura-função das mesmas para o trabalho de síntese orgânica. Fazemos um trabalho de pesquisa básica, que tem resultado em ciência de alto nível. É o acúmulo desse conhecimento científico que poderá resultar em “insights” que levem ao desenvolvimento de novos produtos”, finaliza Palma.
(por Érica Speglich)