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Estudo aponta declínio global de tubarões em ecossistemas recifais

A ausência destes predadores ameaça o funcionamento do ecossistema. Sistema de proteção dos recursos pesqueiros precário e as mudanças climáticas tornam os países pobres mais vulneráveis a extinções locais.

A população de tubarões de recifes está declinando em níveis alarmantes e em escala global. É o que revelou estudo publicado na revista Science e assinado por 153 pesquisadores de mais de 120 instituições de todo o mundo. Em 47% dos locais estudados já não se observa mais certas espécies destes predadores. Em outras regiões do planeta a redução da população chega a 73%. A pesquisa, que abrangeu mais de 60 países, reforça que os ecossistemas dos recifes de coral estão sob crescente pressão das atividades humanas, incluindo a pesca intensa, poluição e as mudanças climáticas. O estudo mostrou, ainda, que os países mais pobres e com menos estrutura de proteção marinha estão mais vulneráveis à perda destas espécies.

Brasil apresenta dois cenários para preservação de tubarões recifais: preservados, em ilhas oceânicas, e degradados, no litoral.  Na imagem  o tubarão-limão (Negaprion brevirostris), no Atol das Rocas (RN). Foto: Hudson Pinheiro.

“Predadores de topo de cadeia, como os tubarões, ajudam a controlar a população de espécies menores, que têm crescimento mais rápido. Eles também têm papel importante na remoção de indivíduos doentes e mais velhos, por isso, atuam diretamente no balanço ecossistêmico para a saúde dos ambientes recifais”, explica Hudson Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (CEBIMAR) da Universidade de São Paulo (USP), autor do estudo e coordenador do projeto “Biodiversidade, biogeografia e conservação de ecossistemas recifais mesofóticos no Oceano Atlântico”, no âmbito do Programa Biota.

Tubarões e arraias exclusivos de recifes são um pouco menores do que os oceânicos. Mas muitos tubarões também usam os ambientes recifais para alimentação e reprodução. “Alguns migram entre as ilhas e recifes para se alimentar e têm ampla distribuição e grande mobilidade. Estes constantemente são vistos em ambientes recifais em alguma etapa do seu ciclo de vida, mas não necessariamente vivem lá”, explica Pinheiro.

De acordo com o estudo, quando a população de tubarões declina severamente nos recifes, a população de arraias começa a dominar estes locais. Esta alteração levanta preocupações sobre as consequências ecológicas em longo prazo. As constatações decorrem das observações de 22.756 estações de vídeo subaquáticas remotas instaladas em 391 recifes de coral em todo o mundo.

Os resultados mostraram que tubarões não foram detectados em 13,6% dos recifes e as arraias não foram detectadas em 21,5%; ambos os grupos não foram detectados em 6,6% dos recifes em que ocorriam anteriormente. Este desaparecimento foi constatado sobretudo nos recifes do oceano Atlântico e do Indo-Pacífico. “Os tubarões são uma das primeiras espécies a desaparecer, pois têm um ciclo de vida suscetível, com crescimento lento e reprodução tardia”, explica Pinheiro.

Tubarões recifais “Em Perigo”

O estudo mostrou que o esgotamento de tubarões e arraias de recifes é muito maior do que se sabia, sobretudo na Ásia, leste da África, América do Sul continental e Caribe central e oriental. Cinco espécies devem entrar na Lista Vermelha da IUCN atendendo aos critérios para serem listadas como “Em Perigo”. O tubarão-cinzento-dos-recifes e o tubarão-lixa tiveram o nível mais alto de declínio global, deixando de ser registrado em cerca de 70% dos locais onde se esperava. O tubarão-de-recife-caribenho, o tubarão-de-pontas-preta-de-recife e o tubarão-de-pontas-brancas-de-recife estão ausentes em cerca de 65% dos locais.

Embora as arraias tenham mostrado mudanças variáveis nas populações em nível local, nenhuma atendeu aos critérios para um risco elevado de extinção em escala global, alinhando-se com seu status atual de não ameaçadas na Lista Vermelha.

Um aspecto positivo ressaltado na pesquisa é a importância da gestão da proteção da biodiversidade marinha. Países que implementaram sistemas de proteção em áreas marinhas e regulam a pesca são os mesmos que conseguem manter as populações de tubarões recifais. No entanto, o estudo enfatiza que fatores socioeconômicos locais e nacionais têm papel crucial na capacidade de desenvolver, implementar e fazer cumprir regulamentações de pesca, bem como na probabilidade de os pescadores respeitarem essas regras.

Cenário brasileiro

Os recifes de coral no Brasil crescem em condições únicas. Na costa Atlântica, as águas são naturalmente mais turvas e há predomínio de algas na cobertura dos recifes. Além disso, 25% da nossa fauna de peixe é encontrada apenas no Brasil, explica Pinheiro.

Em termos de conservação de tubarões de recifes, o Brasil apresentou dois cenários distintos: mais preservados, em ilhas oceânicas, e mais degradados, no litoral.

Tubarões não foram detectados em 13,6% dos recifes estudados em todos mundo. Foto: Hudson Pinheiro.

Em locais mais preservados, como a ilha da Trindade e o arquipélago de Fernando de Noronha, o grupo de elasmobrânquios – arraias e tubarões – ainda é dominado por tubarões, e a riqueza de espécies é maior. “As águas mais rasas do arquipélago são berçários de tubarões, onde eles se recuperam bem. Lá se tornou a área de maior diversidade de tubarões do Atlântico com abundância comparada à da Bahamas”, explica Pinheiro.

Em contraste, em locais mais degradados, como a Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, a região do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e seu entorno, no Sul da Bahia, bem como a região costeira de Recife, em Pernambuco, há predominância de arraias. “Há pouco registro de tubarões na costa brasileira. Isto é um sinal de que os ambientes estão muito sobreexplorados e há muitos componentes-chave da comunidade faltando”, alerta o pesquisador.

Atualmente existem 190 Áreas Marinhas Protegidas (AMP) no país, porém a maior cobertura de proteção está no oceano aberto, não protegendo espécies que dependem de recifes. Menos de 2% estão na plataforma continental, onde ocorre simultaneamente a maior parte dos recifes e das pressões antrópicas, como pesca e poluição.

A pesca não monitorada e ilegal é uma das principais ameaças aos ecossistemas recifais. “Há muito tempo o Brasil não tem monitoramento de desembarque pesqueiro”, afirma o pesquisador. Sem este controle, o país torna-se vulnerável não apenas em termos de conservação da biodiversidade, mas de provisão de recursos pesqueiros. “Os recifes são áreas de produção de pescado. Sem o controle, o pescador perde”, adverte Pinheiro. “O pescador de hoje captura um recurso de menor valor do que pescador de 20, 30 anos atrás”, finaliza o pesquisador.

Além do pesquisador da USP, integrante do Programa Biota/Fapesp, outras seis universidades públicas brasileiras colaboraram com o trabalho: Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Para saber mais:

Simpfendorfer, C. A., Heithaus, M. R., Heupel, M. R., MacNeil, M. A., Meekan, M., Harvey, E., … Chapman, D. D. (2023). Widespread diversity deficits of coral reef sharks and rays. Science, 380(6650), 1155-1160. doi:10.1126/science.ade4884

 

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