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Um olho no laboratório outro no mercado

Pesquisas em bioprospecção equilibram demandas acadêmicas e de mercado.

A bioprospecção é uma das maneiras de se extrair valor econômico da biodiversidade. É a busca por organismos, compostos e processos provenientes de seres vivos que tenham o potencial para o desenvolvimento de algum produto ou processo de interesse econômico. Para embasar o desenvolvimento de novos produtos oriundos da biodiversidade é fundamental, também o conhecimento da biodiversidade dos mais diversos grupos de organismos. Duas demandas diferentes e igualmente importantes, equilibradas no projeto “Bioprospecção de fungos filamentosos produtores de holoenzimas com aplicação em biorefinaria”, coordenado pela Dra. Maria de Lourdes Polizeli (FFCLRP/USP).

imagem de Maria de Lourdes Polizeli (FFCLRP/USP)

Motivada pela busca de novas espécies, novas moléculas e pela geração de produtos tecnológicos de qualidade, Polizeli reuniu um grupo de pesquisadores para prospectar enzimas de processos metabólicos de fungos (endofíticos e filamentosos) nos ambientes mais inusitados: solo, plantas,  material em decomposição, águas termais, resíduos de compostagem, colméias de abelhas. “Buscamos fungos de espécies e gêneros diferentes, que não tenham muitos estudos feitos até o momento pois estes podem ser a fonte de enzimas que não conhecemos” explica Polizeli. “Ambientes mais exóticos podem oferecer um diferencial”, continua a pesquisadora, “e precisamos explorar a biodiversidade enorme do Brasil para conseguirmos produzir bons produtos tecnológicos”.

O grupo tem interesse especial nos fungos que crescem em temperaturas elevadas, pois segundo a pesquisadora, “eles possuem uma maquinaria metabólica diferente” e há, com isso, maior chance de encontrar enzimas mais estáveis e que se adequem a processos industriais que envolvam altas temperaturas ou grandes períodos de estocagem.

As escolhas recaem sobre enzimas com potencial de aplicação na indústria, procurando otimizar os processos de produção. Um destaque é dado às enzimas que quebram as paredes celulares (características das células vegetais) já que estas podem aumentar a eficiência do processo e diminuir os resíduos de produção. Polizeli destaca que “como parâmetro de aplicação tecnológica, uma enzima somente possui valor comercial se houver demanda ou apresentar propriedades de acordo com os requerimentos técnicos e econômicos do processo em escala industrial”, mas as atenções do grupo se ampliam para outros pontos, como o uso de diferentes biomassas para a produção enzimática e o uso de diferentes suportes químicos para a imobilização de enzimas visando uma maior estabilidade e atividade enzimática.

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imagem de Maria de Lourdes Polizeli (FFCLRP/USP)

No processo de produção das enzimas há a escolha por diferentes fontes de carbono naturais para o cultivo dos fungos, com ênfase para o uso de resíduos como o bagaço de malte de cevada da indústria cervejeira, bagaço da cana, palha de trigo e cascas de diversos alimentos como laranja, limão, nozes e maracujá. “Usamos como matéria prima tudo que se joga fora e ainda tentamos reutilizar os resíduos passando por autoclave, a ideia é pegar os resíduos contaminantes e utilizá-los como produtores de enzimas, transformando-os em produtos úteis e de maior valor agregado”, salienta Polizeli, “a inovação começa com a escolha do fungo e passa por todos os processos até chegar ao produto final aplicável”.

O projeto faz parte da Rede Nacional de Fungos Filamentosos isolados a partir de diferentes biomas e que se destacam na produção de enzimas lignocelulotíticas (ou seja, que degradam a parede celular, como dito anteriormente). Na apresentação dos objetivos da rede destaca-se o aspecto que de tal iniciativa pretende “compatibilizar estudos de bioprospecção, meio ambiente e novas políticas governamentais de tecnologia funcional e de inovação enzimática, sendo formada através da interação multidisciplinar e interinstitucional”.

Financiada por meio de um edital para a pesquisa em biodiversidade, com recursos provenientes de diferentes instituições como CNPq, Capes, MCT, MMA e as Fundações de Amparo à Pesquisa locais, a rede é formada por pesquisadores distribuídos em diversos estados, incluindo desde pesquisadores de laboratórios já consolidados a pesquisadores em início de carreira e/ou ligados a centros emergentes. “Foi uma aposta na parceria que auxiliou muito na consolidação desses centros emergentes e que tem como resultado mais de 55 artigos, o desenvolvimento de produtos comerciais, a troca de equipamentos, a colaboração entre equipes e um livro”, explica Polizeli. O livro é o “Fungal Enzymes”, publicado pela CRC de Londres.

Os fungos são coletados, portanto, nos diferentes Biomas do Brasil, aliando a pesquisa em biodiversidade com o  potencial enzimático desses organismos, sempre buscando traçar correlações entre os fungos coletados nos diferentes ambientes. Um exemplo é o fungo do gênero Aspergillus niger encontrado em diferentes Biomas. “Encontramos este fungo na Amazônia e nos Pampas, por exemplo, mas não é porque são fungos descritos como da mesma espécie que eles apresentam o mesmo potencial enzimático. Isto demonstra que o meio ambiente pode interferir no potencial degradador de macromoléculas encontradas em substratos naturais,  o que indica que a mesma espécie responde de forma diferente a ambientes distintos”.

(por Érica Speglich)

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