Neste mês a conversa é com Alessandra Bizerra, do Departamento de Zoologia, e Suzana Ursi, do Departamento de Botânica. Ambas docentes do Instituto de Biociências da USP e pesquisadoras de Ensino de Biologia.
1 – Vocês são docentes e pesquisadoras dos departamentos de Botânica (Suzana) e Zoologia (Alessandra) do Instituto de Biociências da USP, ambas na área de “ensino de …”, que envolve não apenas a pesquisa, mas a formação – inicial e continuada – de professores. Quais são as disciplinas que ministram? Como estão sendo construídas as parcerias para essa formação de professores?
Suzana Ursi – nós trabalhamos com diversas disciplinas para o curso de Biologia. Uma delas ministrada no núcleo básico do curso, que mesmo que o aluno decida fazer bacharelado vai ter contato com as questões e discussões da área nessa disciplina.
Alessandra Bizerra – essa disciplina acaba ampliando a visão dos alunos a respeito da licenciatura. Antes dos alunos chegarem nas disciplinas específicas, ministradas na Faculdade de Educação, nós valorizamos os conhecimentos da área, inclusive da existência da linha de pesquisa em ensino de ciências e biologia.
SU – além disso, um movimento que estamos fazendo agora é de substituir as disciplinas baseadas no conteúdo de cada departamento (zoologia, botânica, etc) para começar a organizá-las a partir de grandes temáticas como a pesquisa em ensino e educação ambiental, por exemplo.
AB – estamos também pensando muito no formato dos estágios. Uma das propostas atuais de todo o grupo de professores da licenciatura é fazer com que o curso valha também como extensão e, desta forma, o professor da escola pública, aquele que recebe os alunos na escola, pode também contabilizar as horas. A primeira versão deste tipo de estágio foi implementada neste semestre pela Profa. Maria Elice Prestes. Outra proposta para os estágios é darmos chances aos alunos de conhecerem melhor outros espacos educativos, como os museus e a rádio USP. A partir dessa abertura muitos projetos propostos pelos alunos foram implementados nessas instituições parceiras.
SU – foram resultados muito positivos tanto para os alunos como para as instituições. Concordamos sobre a importância da imersão na escola pública como é proposto nos currículos para a licenciatura, mas achamos que essa experiência em espaços não formais também é muito importante.
AB – Na Rádio USP os alunos criaram entradas de 2 minutos, chamados de “Momento biologia na cidade“. No Museu de Anatomia Veterinária eles criaram uma vitrine que ainda está em exposição. No Museu de Microbiologia do Butantã eles criaram um material de acompanhamento das famílias e avaliação das exposições. No Museu Biológico criaram um material de acompanhamento para as escolas. Coisas aplicadas para os parceiros, que os alunos criaram, aplicaram e as instituições continuam aplicando.
2 – Essa discussão nos leva também a pensar na pesquisa na área de pesquisa em Ensino de Biologia. Quais são as especificidades e os desafios para o desenvolvimento dessa linha de pesquisa fora das faculdades de educação?
AB – a valorização dos conhecimentos da educação e a aproximação entre biologia e educação é um serviço que vai além da formação da licenciatura. Nós pensamos na formação dos pesquisadores. Há também a particularidade dessa área de pesquisa de estar na interface entre as duas áreas, a biologia e a educação, o que a torna muito difícil e ao mesmo tempo interessante.
SU – isso fica claro no momento de enviar projetos de pesquisa. Para qual área mandamos nossos projetos de pesquisa, por exemplo? É difícil e desafiador. Por isso é importante a existência de áreas de “ensino de…” nos órgãos de fomento à pesquisa. Seria um estímulo ao pesquisador, já que é uma área peculiar. Em termos de parcerias internas, eu tenho uma parceria bem forte com o pesquisador Flávio Berchez, peculiar. Em termos de parcerias internas, eu tenho uma parceria bem forte com o pesquisador Flávio Berchez, que trabalha com ecologia e Educação Ambiental em ecossistemas marinhos. Eu também trabalho com educação à distância e formação de professores.
AB – estamos num momento de valorização interna nos Departamentos e no Instituto de Biociências.
3 – Juntas vocês coordenaram uma disciplina sobre o tema “vida” no Rede São Paulo de Formação Docente (Redefor – curso de especialização para professores em exercício), entre 2010 e 2012. Dentro deste trabalho havia uma preocupação em construir junto com os professores cursistas parâmetros para a avaliação e o uso de materiais midiáticos (como filmes, fotografias e reportagens), livros paradidáticos e materiais de divulgação científica na sala de aula. É possível traçar algumas características consideradas importantes / interessantes para os professores nesses tipos de materiais?
AB – Uma coisa que ficou muito forte foi a questão de uma linguagem simples, de tentar se colocar no lugar do aluno. Com conceitos objetivos e claros. A proximidade com os Parâmetros Curriculares Nacionais também foi considerada importante. E materiais alinhados aos conteúdos que são avaliados depois nas provas do ENEM e do SARESP, por exemplo. Materiais que participem do currículo escolar. O pesquisador tende a julgar o que faz como muito importante para estar na escola, mas às vezes a temática não faz parte das demandas escolares. A academia quer que a escola trate de filogenia, por exemplo, mas a escola quer? O que os alunos pensam sobre isso? O que os professores pensam sobre isso? Essas são questões que ainda estamos discutindo a partir deste e de outros trabalhos.
4 – E sobre ensino de biodiversidade? Com quais questões vocês tem se deparado?
SU – em duas de nossas disciplinas nós falamos de ensino de biodiversidade, inclusive, organizamos dois livros com roteiros criados por nossos alunos para abordar tal temática a partir de materiais do Programa BIOTA FAPESP: um sobre biodiversidade e outro sobre biodiversidade marinha. Na outra disciplina, uma das aulas foi a análise materiais do governo do estado de São Paulo e como a biodiversidade aparecia. E vimos que a diferentes dimensões do conceito de biodiversidade não aparecem nesses materiais, que o tema é abordado apenas como diversidade de espécies mesmo. Mas por outro lado, na parte de contextualização desses mesmos cadernos, isso fica bem claro, tentando se aproximar da realidade do aluno, embora as duas dimensões não conversem.
AB – sustentabilidade, biodiversidade e mudanças globais são abordadas de forma muito factual, muito ligada à descrição de fatos nos materiais do ensino médio, por exemplo.
SU – talvez o que falte seja uma abordagem mais sistêmica e reflexiva.
AB – tivemos uma experiência semelhante no grupo de pesquisa que coordeno, no qual temos investigado como a conservação é vista pelos públicos dos zoológicos. Pelos dados iniciais, parece haver uma falta de repertório conceitual por parte do público para abordar o tema. No caso da biodiversidade a falta de repertório acaba por fechar a compreensão do conceito como sinônimo de riqueza de espécies. Nós temos que pensar em uma educação que possa ampliar esse repertório conceitual, que possa dar essa amplitude maior para a compreensão dos conceitos. Como fazer isso? Como dar sentido para um termo? Que sentidos eu dou para os diferentes termos com os quais eu me deparo no cotidiano? Nos zoológicos essa ampliação não está acontecendo na questão da conservação. E o mesmo temos visto com relação à biodiversidade, no que você precisa de base para discutir essas questões. E eu não estou falando de conhecimento científico, estou falando de conceitos de forma mais ampla, de montar uma rede de conceitos que se refira às questões que queremos discutir. O que do dispositivo expositivo pode chamar para essa conversa? Talvez tenhamos que fazer outras exposições ou atividades educativas que contemplem outros conhecimentos?
SU – acredito que nossa área deve discutir mais com outras áreas.
AB – estamos olhando para a contribuição do ensino de ciências, mas existem outras áreas. E como discutimos com essas outras áreas? Como desenvolvemos estratégias para dar sentido para os diferentes conhecimentos?
(por Érica Speglich)