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Pesquisa busca inovação radical explorando moléculas inéditas de cianobactérias

A química das cianobactérias ainda é pouco investigada, por isso são uma fonte promissora para prospectar novas moléculas com potencial biotecnológico.

Cianobactéria do gênero Nostoc. Microscopia óptica, aumento 40x. Autora: Sarah Salviano.

“Queremos encontrar moléculas produzidas pelas cianobactérias que sejam inéditas e provoquem uma inovação radical”, afirma Camila Crnkovic, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do projeto “Prospecção biotecnológica de produtos naturais a partir de cianobactérias” que integra o Programa Biota/Fapesp.

As cianobactérias são popularmente conhecidas como algas azuis, embora não sejam algas. Sua estrutura  é como a das bactérias, entretanto são capazes de realizar fotossíntese. Trata-se de um grupo bem versátil distribuído em ambientes com grandes amplitudes térmicas e luminosas que pode ser encontrado na água doce, no oceano e nos solos.

As cianobactérias também são conhecidas pelas florações em represas eutrofizadas quando há a superprodução de toxinas. Este quadro torna as águas impróprias para o consumo humano e provoca mortandade de peixes. Ainda não se conhece exatamente as causas da produção das cianotoxinas, mas sugere-se que estas substâncias desempenham funções ecológicas, como por exemplo, proteger-se da herbivoria.

“A química das cianobactérias ainda é pouco investigada, por isso são uma fonte promissora para prospectar novas moléculas com potencial biotecnológico”, explica Crnkovic. Um exemplo é a dolastationa 10, uma molécula de cianobactéria do mar que, junto com anticorpos, inspirou o desenvolvimento da brentuximab vedotina (Adcetris®), usada no tratamento de linfoma.

Ilustração de cianobactéria do gênero Nostoc. Autores: Gabriella Cecília e Francisco H. Santana da Silva

Entretanto, a descoberta de novos produtos naturais não é fácil. Primeiramente por serem compostos complexos por natureza. Em segundo, porque há elevada taxa de redescoberta, ou seja, encontram-se muitos compostos já conhecidos pela ciência. Ainda assim, os produtos naturais seguem sendo são importante fonte de inspiração para fármacos e sondas químicas. “Se um organismo está gastando muita energia para produzir aquela molécula, provavelmente tem uma função ecológica. Então, a ideia de estudar produtos naturais é aproveitar dessa função ecológica e entender como aquele composto pode servir eventualmente para a gente,” complementa Crnkovic.

 

O projeto liderado por Crnkovic revisitou as coleções de cianobactérias usando novas técnicas para encontrar uma molécula que gere uma inovação radical. “Hoje no setor farmacêutico há muita inovação incremental, com melhorias de moléculas. Trabalhamos na direção da desreplicação, ou seja, a determinação de ineditismo químico um composto que não esteja em nenhuma base de dados. Todo nosso esforço vai para amostras contendo moléculas potencialmente inéditas”, afirma a pesquisadora.

O grupo de cientistas do Laboratório Azul, coordenado por Crnkovic, recebeu doação de cepas de cianobactérias filamentosas da Mata Atlântica, Cerrado e, em menor quantidade, da Amazônia. A escolha por organismos de água doce não foi ao acaso. Trata-se dos organismos menos conhecidos, comparado ao similar marinho. “Estas amostras vieram da coleção do Instituto de Botânica de São Paulo, uma das coleções mais importantes de cianobactérias do país, sob a curadoria da professora Célia Santana”, comenta Crnkovic.

Os pesquisadores prepararam um protocolo de prospecção química para investigar as linhagens cianobactérias. Tudo começa com o cultivo das cianobactérias, seguido da preparação dos extratos brutos, que são organizados em uma biblioteca de extratos. Em seguida, eles refinam este extrato em frações menos complexas. Estas frações de extratos são organizadas em bibliotecas de frações. As frações são testadas  contra leishmania, contra as células de câncer e contra bactérias. As frações que apresentam atividade são selecionadas para a etapa de estudo mais aprofundado envolvendo análise de espectrometria de massas associada à metabolômica (conjunto de substâncias produzidas por um organismo) e o estudo do genoma (genômica). “A metabolômica e a genômica oferecem soluções para a análise de amostras biológicas complexas que reduzem o tempo de pesquisa”, explica a pesquisadora.

foto do grupo de pesquisa Lab Azul – Microbial Natural Products Biotechnology da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (https://www.labazul.science/)

Neste processo, o grupo de cientistas faz a priorização de frações de extrato com atividades biológicas de interesse. “Já encontramos compostos com efeitos antimicrobiano, anti câncer, anti-leishmania”. E, pela perspectiva da desreplicação, não basta encontrar uma molécula que seja bioativa, a molécula tem que ser nova. “Se identificarmos que a molécula ativa na fração é, por exemplo, uma dolastatina, ela é descartada do estudo”, explica a coordenadora do projeto.

O projeto “Prospecção biotecnológica de produtos naturais a partir de cianobactérias” conta com a participação de 12 integrantes do LabAzul, incluindo alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Ainda há parcerias com o Instituto de Medicina Tropical da USP, com o Instituto de Química da USP, com a Universidade Federal de São Carlos e com a Universidade de Illinois em Chicago.

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