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Dieta do lobo-guará em paisagem agrícola

Estudo mapeia a cadeia alimentar de lobo-guará em paisagens com alterações antrópicas analisando isótopos estáveis.

Lobo Guará – Chrysocyon brachyurus – Sarefo (Own work), via Wikimedia Commons.
O homem vem provocando grandes mudanças nas paisagens naturais ao longo do tempo. As mudanças mais recentes são as substituições de matas nativas por largas áreas de produção agrícolas com predomínio de monoculturas exóticas, tais como pasto, cana de açúcar e eucalipto, transformando a paisagem em um verdadeiro mosaico de uso do solo.

Como resultado, algumas espécies foram extintas, outras tornaram-se reféns das reduzidas áreas naturais remanescentes e outras espécies desenvolveram a habilidade de transitar neste complexo mosaico de paisagens. Este é o caso do lobo-guará.

Embora seja uma espécie bastante conhecida pelo público e muito carismática ainda faltam muitos estudos e dados a seu respeito. A maior parte dos conhecimentos sobre o lobo guará refere-se a indivíduos que vivem dentro de Unidades de Conservação e pouco se sabe a respeito daqueles que vivem fora destas áreas, em paisagens já modificadas pelo homem. Em alguns casos, o manejo adequado destas monoculturas possibilita que espécies silvestres coexistam com produções agrícolas sustentáveis. E, para isso, é importante conhecer como os animais habitam essas áreas: seu comportamento, hábitos alimentares, área de forrageamento e interação com outras espécies, por exemplo.

A pesquisa de doutorado de Thaís Rovere Diniz-Reis (CENA/USP) tem como foco principal investigar a cadeia alimentar do lobo-guará em paisagens agrícolas no estado de São Paulo. “Se o lobo se alimenta de presas herbívoras ele está em uma posição da cadeia alimentar, se é de presas carnívoras, é outro nível trófico, é esse o tipo de informação que queremos analisar nessas paisagens submetidas à pressão antrópica”, explica a pesquisadora, “também procuramos compreender como esses animais utilizam as áreas de monocultura de exóticas, se somente as atravessam entre os remanescentes de áreas nativas ou se também as utilizam como habitat”.

A pesquisa se iniciou no mestrado, dentro do projeto temático “Mudanças socioambientais no estado de São Paulo e perspectivas para a conservação”  coordenado pelo Prof. Luciano Verdade (CENA/USP) e se estendeu para o doutorado, em fase final, com orientação do Prof. Plínio Camargo, também do CENA.

Durante o mestrado foram realizadas coletas e análises de amostras de fezes dos animais em uma área que era de pastagem e recentemente transformada em plantação de eucalipto. E, já no doutorado, a pesquisadora realizou a análise isotópica das presas encontradas nas fezes. “Um método não invasivo para estudo da ecologia trófica da espécie, uma grande fonte de dados sem a necessidade de interferir nos lobos e nos ambientes”, justifica Thaís Diniz-Reis. A estrutura da cadeia alimentar foi modelada em software específico, em parceria com pesquisadores canadenses durante um estágio no exterior, utilizando dados de taxonomia e de isótopos das presas e predador para identificar as espécies-chave de presas e o uso do espaço pelos lobos-guará.

As presas encontradas foram bem diversificadas, incluindo pequenos mamíferos, anfíbios, aves, frutos (especialmente a Lobeira, que é bem adaptada em áreas abertas) e insetos como grilos, besouros e larvas de vagalume. “Os isótopos estáveis nos auxiliam a compreender se essas presas vieram de ambientes de pasto ou áreas de cultivo de cana de açúcar ou se eram animais que viviam nas plantações de eucalipto, e esse mapeamento auxilia na compreensão de onde o lobo forrageia”, explica Thaís Diniz-Reis. Um dos resultados encontrados foi que as presas não são apenas diversas taxonomicamente, como também são diversas espacialmente, o que significa que os lobos circulam por um espaço grande e heterogêneo em busca de alimentos.

Pegadas de lobo-guará – foto: Thaís Diniz-Reis

Para Plínio Camargo esse trabalho tem potencial para ser ampliado, por exemplo, em colaboração com grupos que trabalhem em áreas conservadas: “comparar o que nós encontramos, desses indivíduos que vivem em áreas alteradas, com indivíduos que vivem em Unidades de Conservação seria muito interessante para avaliar se há diferenças e quais são elas. Especialmente na cadeia trófica entre esses ambientes”.

Alem disso, um acompanhamento dos animais com colares e a coleta de amostras de tecido daria, por exemplo, para avaliar a adaptação desses lobos às alterações do ambiente. “Por enquanto sabemos que o lobo-guará mora e se alimenta nessas áreas agrícolas. Mas não sabemos quais são as maiores pressões que eles sofrem para sobreviver ali, qual a saúde destes indivíduos e se há manutenção da população por si só nestas áreas”, conclui Thaís Diniz-Reis, “os dados deste estudo e de outros projetos e estudos a longo prazo são cruciais para conservar este canídeo e todas as espécies que formam sua cadeia alimentar e complementam as ideias discutidas no projeto temático sob responsabilidade do Prof. Luciano Verdade: de que paisagens agrícolas bem manejadas podem ter uma função na manutenção populações de animais silvestres, contribuindo para a conservação da biodiversidade”.

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